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O meu maior triângulo em 41 anos de voo merece um comentário. Ainda por cima já há muito tempo que não relato nada – não tenho, infelizmente, nada de jeito para relatar, que o meu último relato foi da arborização de há ano e meio e o último voo de jeito, que também me mereceu uma descrição, foi há dois anos, quando voei de Cáceres para Alcácer do Sal.

The Great British Aerotow Revival, ou seja, o primeiro campeonato de rebocado do UK, planeado desde o ano passado, com um total admissível de 50 pilotos. Fiz planos para ir e até marquei férias para essa semana mas distraí-me e, dois dias depois de abertas as inscrições, em Fevereiro, já se tinham inscrito 100 pilotos... Fiquei gratamente surpreso quando, há cerca de um mês, me comunicaram que tinha sido “escolhido” e tinha participação garantida.

Preparámos tudo: eu a tralha do voo livre (e periféricos) e a Vera a tralha do “acampamento” que incluía coisas como a air-fryer, temperos e facas de cozinha... Alugámos uma casa a 10 km do aeródromo de Deenethorpe, onde decorreria o evento, numa terra chamada Oundle que constatámos ser uma das mais bonitas que alguma vez visitámos nos nossos seis anos de Inglaterra.

Adiante: o evento, que teria competição entre os dias 7 e 13 de Maio, previa três dias de preparação para quem não tivesse o “rating” (averbamento) de “tow” (rebocado) no cartão da federação do UK (BHPA). Os gajos aqui são mais papistas que o Papa e se não tens o averbamento – e eu não tinha – não podes voar... Apesar de lhes ter dito que já tinha feito mais de cem voos “da ponta da corda” no traccionado em Castelo Branco e três voos de rebocado com o Carlos Puñet em Cáceres, tive de ser supervisionado pelo diretor do evento, um “Chief Aerotow Marshall”, até fazer três voos (teoricamente seriam 10), numa flexibilidade muito pouco britânica, e passar um exame escrito que também fiz durante os dias que antecederam o campeonato.

O tempo estava como é típico do UK: chuviscos, tectos baixos, vento, frio... Dos três dias de preparação consegui voar em... um, com uma subida até aos 300m interrompida pela ruptura do fusível: os triciclos rebocadores eram muito lentos e se me deixava subir ligeiramente acima do triciclo e tinha de picar, a corda afrouxava e o triciclo, livre do peso da rígida, subia desalmadamente; se eu empurrava um nadinha nessa altura, o aumento do peso na corda fazia o triciclo quase parar e descer, ficando eu, de novo, muito acima dele, o que levava a que o processo acima se repetisse com ainda maior amplitude até que o fusível se partisse.

 

Finalmente começou o campeonato. No primeiro dia, com mais vento do que o que eu gosto, a “tasca” para as rígidas era curiosa e o nome também: “55 km to anywhere & back a smidge“, fazer 55 km em qualquer direção e voltar para trás 10 km... Com o vento espigadote de NE, não havia dúvida quanto à direcção a tomar: SO.

Outro óbice: pela primeira vez num campeonato inglês, onde os gajos viram SEMPRE à direita, todos os dias – porque sim... –, aqui, como a “guideline” britânica do rebocado diz que depois de largado do rebocador um gajo tem de virar uma “sharp left” (no continente, nos planadores, é ao contrário, tem de virar-se à direita), tiveram a ideia peregrina de mandar toda a gente, num raio de 5km do aeródromo, virar à esquerda, SEMPRE, todos os dias. E eu, que não viro à esquerda...

Lá fui. Reboque até aos 600 m e depois subida rápida até ao cloudbase a 800 m e voo sem grande história, quase sempre sozinho – para poder virar à direita à vontade –, sempre a rasar o chão – altitude máxima não chegou aos 1000 ASL, com descolagem aos 100 m ASL e base das nuvens também abaixo dos 1000, subida máxima miserável por volta dos 2m/s, céu muito tapado de nuvens com grandes áreas de sombra no chão... Às tantas tudo escuro, a vir por aí abaixo, escolhi um campo com uma cultura ainda rasteira, aterrei e cheguei a asa para o caminho de terra. Sem espinhas.

A despeito do medo que esta gente tem dos farmers, 5 minutos depois vem um Range Rover caminho fora, com o dito e a mulher. “All alright?”, pergunta ele. “Yes, no problems, thanks”. “Good. But you know you shouldn’t be here, right?”. E eu, apaziguador, “I moved the glider to the edge of the field right after I landed. I hope I did not do much harm to your crop – não tinha – and thanks for having come to see if I was alright, much appreciated”. Acenou, sorriu, deu meia volta e foi-se embora. Assim que acabei de desmontar a asa apareceu a minha queridinha e a volta a casa também não teve história.

Nesse dia só três completaram a tasca, um dos quais foi desclassificado por ter entrado em “controlled airspace”; com mais dois que tinham voado mais que eu desclassificados pelo mesmo motivo, fiquei em quarto do dia com 34 km.

 

O dia seguinte tinha a melhor previsão da semana, com pouco vento, menos nuvens e um tecto de 1300 m; chamaram à prova desse dia “try angling 104 km” (trocadilho entre algo como "triângulo de 104 km" e “tentar pescar à linha 104 km”). Quando descolei não havia nuvens. O (cabrão do) reboque levou-me aos 600m – já estavam três ou quatro asas a voar e largou-me, no meio de coisa nenhuma, logo que chegou à altitude prevista no regulamento do campeonato. Melhor, largou-me numa descendente e nos 5 minutos seguintes, apesar de andar por ali às voltas a ver se subia, perdi 500 m até que finalmente, quase apontado a um campo mau (que, notei agora, está no mapa como “Adrenalin Alley”), encontrei alguma coisa a que me agarrei com unhas e dentes até que, 25 minutos e muitas recentragens depois, cheguei ao cloudbase a 1000 m. Lá fui voando para Oeste, sempre apontado à próxima nuvem, que nessa altura já despontavam cumulozitos com bom aspecto. Nesse trajecto estava às tantas a enrolar alguma coisa quando vem um gajo que entrou na minha térmica 100 m abaixo de mim, deu duas voltas à direita, como eu, e depois vai de virar à esquerda. Desconcentrei-me, comecei a subir mais devagar e ele veio por aí acima, na minha direção e a virar ao contrário, até que... Tive de sair da térmica.

As nuvens na área da primeira baliza desapareceram mas, felizmente, havia uma térmica quase por cima, o que facilitou a coisa. Uma hora e meia para fazer os primeiros 30 km, altitude máxima à volta de 1000 m. Mas agora o céu parecia melhor, havia mais nuvens, mais altas, e menos vento. Fui voando, agora sempre acima dos 1000 m, pelas nuvens, passando perto de um aeródromo de relva cheio de atividade de planadores (Husbands Bosworth) e, depois, mais de 2 km a Oeste do aeródromo onde os outros tinham sido desclassificados no dia anterior, sempre alto. Quase não havia vento. Apanhei uma boa ascendente que me subiu até aos 1400 m 5 km antes da segunda baliza e apontei a outra nuvem um par de km para lá dela. Desci, desci, desci até 250 m do chão, já para lá da baliza e sem apanhar nada, numa zona cheia de sombra.

“Estou arrumado, vou ficar por aqui”, pensei resignado. Voltei um pouco para Norte, na direção de um campo mais ou menos aceitável para aterrar, fiz a baliza e abri o arnês a 150 m do chão. Apanhei um zerinho – o vento estava nessa altura de Este – e como havia outro campo aterrável a sotavento, deixei-me ir a enrolar, a subir quase nada - 50 m no total -, até perceber que não ia a lado nenhum e apontar ao tal outro campo a sotavento. Outra vez a 150 m apanhei outra coisa um bocadinho mais consistente e, apesar de ir a subir pouco e a derivar na direção de uma linha de alta tensão, como havia mais aterragens depois da linha a que podia chegar, deixei-me ir, sempre a enrolar. Demorei mais de 20 minutos a subir 1000 m, em que derivei 3 km mas aquela altitude já me dava para fazer mais uns quilometrozitos na direção da prova, apesar do céu estar, nessa altura, todo tapado. Vi então mais umas quatro ou cinco asas, quase todas rígidas, que estavam a ficar muito baixo e que enrolavam, cada uma para o seu lado, provavelmente uns zeros. Ainda me tentei para ir ter com uma delas mas pensei que podia estar a hipotecar algumas centenas de metros e que o melhor era perde-los indo na direção da prova.

Nesta altura já ouvia outra vez a Vera, no rádio, que me incentivava do aeródromo – que era o golo – e dizia que já tinham chegado várias flexíveis – a prova das flexíveis também era um triângulo, feito na direção oposta e com menos 20 km que o das rígidas – e o Paul Harvey numa das rígidas.

Eu já estava de bexiga cheia, ao fim de quatro horas de voo, e não conseguia despejá-la, o céu estava todo tapado, já tinha visto várias rígidas aterradas, já me dava por contente. Mas a minha queridinha não: “anda, apanha mais uma térmica, tu consegues, anda, força, já falta pouco!”.

Fiz das tripas coração, ganhei mais 400 m, fui voando na direcção do aeródromo e a pouco mais de 300 m de altitude e a 8 km do aeródromo apanhei mais um bufinho que ao fim de um par de volta se revelou consistente. Pensei “queres ver que dá?” e fui subindo e derivando para a esquerda da rota, já a ver o aeródromo ao longe. Comecei a concentrar-me no “glide to goal” e a ver os números, logo abaixo dos 20 quando apanhei a térmica, a ficarem cada vez mais baixos... Conservador e cauteloso como sou pensei “vou-me embora aos 10” mas, como a coisa estava a correr bem e não queria, de maneira nenhuma, perder a oportunidade, fui-me embora aos 8, com quase 1100 m, já com a certeza de que chegaria.

E cheguei, com quase 500 m de altitude... O céu tinha entretanto aberto completamente e apesar de já serem mais de 17:30 o ar estava muito bom e sustentava muito, o que me fez estar quase 10 minutos por cima da aterragem no aeródromo, onde estavam os pilotos e recolhas de 7 flexíveis e uma rígida, a fazer oitos para descer. Já farto e ainda alto fiz-me a uma final long(uíssim)a e aterrei lá longe, no mesmo campo mas a alguns 300 m dos outros.

Veio a minha queridinha logo a correr campo fora – ainda me apanhou a fazer xixi – que me deu um beijo, os parabéns e uma cerveja logo ali; atrás veio a Carmen, mulher do Paul, e ambas ajudaram-me a carregar a asa para junto dos outros, que eu estava derreado de quase 5 horas de voo. O Gordon Rigg deu-me outra cerveja que despachei antes de começar a desmontar a asa. Uma hora depois, às 18:30, chegou o Andy Hollidge e, pasmámos todos, às 19:30 aterrou a última flexível que fez golo, o Oliver Moffat, ao som de um coro de aplausos.

Afinal terminaram a prova 9 flexíveis e 2 rígidas. Eu fiquei em segundo das rígidas e fiz o meu maior triângulo FAI de sempre, com um pouco mais de 100 km. Foi um bom voo.

 

Depois foram 3 dias sem voar, com um tempo de merda. Na sexta 12 a previsão era de muito vento de OSO mas podia haver alguma hipótese de fazer prova. Fomos com o material todo para outro aeródromo perto, Lyveden, e estabeleceram uma prova de 97 km para ENE. Eu parti o fusível a menos de 400 m mas, receoso de voltar a aterrar e voltar a ser rebocado – estava muito vento – fiz o cross mais rasteiro que alguma vez fiz: 19 km sempre a menos de 400 m ASL, provavelmente a pouco mais de 300 m do chão, sempre a enrolar! Havia muita aterragem, é certo, e acabou por ser uma meia hora curiosa com, finalmente, uma aterragem boa, e a minha queridinha lá antes de eu acabar de desmontar, como de costume. Das 15 rígidas só 5 fizeram mais de 5 km para activar a prova, nenhum chegou ao golo e eu fiquei em terceiro do dia e segundo da geral.

Nessa noite, com a previsão de ainda mais vento para o dia seguinte, encerraram o campeonato e fizeram a entrega de prémios.

 

Foi um campeonato engraçado, não só porque fiquei em segundo entre 17 rígidas mas também porque o sistema, que ninguém acreditava que funcionasse – parecia, no início e com os incidentes que iam acontecendo, impossível pôr 50 asas no ar em tempo útil –, acabou por funcionar bem.

Para o ano há mais.

PortugalRicardo Marques da Costa @ 2023-11-01 22:28:45 GMT Linguagem Traduzir   
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